04 maio 2016

Futebol feminino – Liga de Elite é a solução?


Tendo visto já vários comentários, essencialmente contra a nova Liga de Elite que irá ser promovida pela Federação Portuguesa de Futebol, e sendo um assunto que a mim me diz algo, até por já ter estado no meio, hoje venho também tecer a minha opinião sobre o assunto, que vale o que vale.

A Liga de Elite pretende ser a divisão maior do Futebol Feminino em Portugal, com as melhores 10 equipas do anterior campeonato da 1ª Divisão e com mais 4 equipas convidadas, que sairão do lote das equipas com mais sócios em Portugal que aceitem o convite para tal.


Consigo perceber a motivação, dar mais visibilidade ao futebol feminino em Portugal através do convite dos clubes com maior massa associativa, logo haverá mais notícias sobre o futebol feminino nos meios de comunicação, mais transmissões na televisão, mais adeptos a torcer, a falar e a ver os jogos dos campeonatos femininos, mais patrocínios para o futebol feminino e, possivelmente, mais praticantes.

Até aqui tudo bem e, diga-se em abono da verdade, faz tudo coerência. A serem estes os motivos, consegue-se perceber que pode funcionar e pode ter sucesso.

Mas como em tudo na vida, não há bela sem senão. Ora vejamos.

O facto de as equipas convidadas entrarem directamente na Liga de Elite, é sem dúvida injusto para todas as equipas que participam nos campeonatos nacionais da 1ª e 2ª divisões. Estas equipas andam com muito esforço a promover o futebol feminino e a formar jogadoras com o objectivo de as potenciar e elevar ao patamar máximo do futebol feminino, e agora umas quantas equipas que nunca antes estiveram ligadas ao futebol feminino entram directamente para onde todos almejam estar. Algo aqui não se coaduna com a verdade desportiva.

Essas equipas serão criadas a partir do quê? As jogadoras não nascem por geração espontânea. Estas terão de vir dos outros clubes, clubes esses que muitas das vezes sobrevivem com dificuldades em arranjar atletas suficientes, o que, em último caso, pode levar à extinção destas equipas mais pequenas. Noutra perspectiva, a aquisição de atletas, poderá enfraquecer o campeonato, pois as equipas com mais poderio financeiro conseguirão ir buscar as melhores atletas e as outras terão de ficar com o que sobra. A meu ver, isso tornará o campeonato mais desequilibrado, onde quatro equipas lutarão entre si e as outras tentam sobreviver.

Ao entrarem directamente para a Liga de Elite, se os directores, seja por uma má classificação da equipa, seja por cortes financeiros, seja pela falta de jogadoras, seja por outro motivo qualquer, decidam desistir da participação no futebol feminino. Como será então? Ficará um lugar por preencher na Liga de Elite e esta ficará mal vista no panorama do futebol.


Mas continuo a afirmar, a ideia é boa e parece-me que tem pernas para andar. No entanto deveria-se repensar um bocado a forma como está a ser executada.

Em primeiro lugar, deveria-se ouvir todos os clubes que já participam nos campeonatos nacionais, as suas sugestões, os seus receios e em conjunto chegar à melhor solução.

Em segundo lugar, porque não essas equipas começarem na 2ª Divisão? Certamente que numa época elas chegariam à Liga de Elite, e isso permitiria à FPF ver se os projectos dessas equipas eram sustentáveis. Até acho que, mesmo para essas equipas convidadas seria um erro aceitar o convite, e não me parece que alguma delas com o mínimo de know how aceite um convite para a Liga de Elite sem ter uma equipa criada, condições de sustentabilidade, escalões de formação e acima de tudo uma estrutura para o projecto.

Em terceiro lugar, porque não impor inerente à participação na Liga de Elite, que cada equipa que participe terá obrigatoriamente de ter equipas de sub15, sub17 e sub19? E aí criar campeonatos nacionais desses escalões. É que sempre me fez confusão começar a construir uma casa pelo telhado esquecendo-se da base. Como queremos ter equipas fortes em seniores se a formação ainda é praticamente inexistente?

Em quarto lugar, e pegando neste tópico da formação, porque não fomentar a criação de campeonatos regionais com incentivos para os clubes? E porque não também para as escolas? Fomentar o futebol feminino desde a base. O facto de as raparigas competirem com e contra rapazes faz com que muitas desistam ou nem cheguem a entrar para as equipas. A criação de torneios inter-turmas nas escolas apenas para os escalões femininos com o apoio da FPF. O apoio à criação de selecções escolares e a fomentação por parte das Associações de Futebol de campeonatos para estas. Apoiar os clubes que apresentem equipas exclusivamente femininas desde o futebol de base. E porque não negociações com o Ministério da Educação para colocar em horário lectivo duas horas semanais de futebol nas escolas do 1º ciclo e pré-primárias?

Em quinto, porque não questionar-se porque motivo existem tantas equipas a desistir? Estando um bocado afastado da realidade actualmente, a verdade é que vejo várias equipas que à uns anos existiam, neste momento nem no mapa aparecem. Porque não uma comunicação directa e constante com os clubes, sejam eles grandes ou pequenos? O CA Ouriense esteve 7 anos sem ganhar um único jogo até conseguir subir de divisão e ganhar o que ganhou. Os projectos podem dar frutos caso haja acompanhamento e aposta por parte das pessoas.

E por último, mas talvez mais importante, repensar a tomada de decisões dentro da estrutura. Uma decisão nunca pode ser tomada com efeito imediato sem se saber ainda todas as suas condições. Já se sabe que a FPF diz que a Liga de Elite é uma realidade já para a próxima época, no entanto que equipas irão participar? Com que condições? E se alguma recua na decisão? O facto de fazer tudo em cima do joelho por querer as coisas feitas o mais rápido possível, normalmente dá confusão e, acima de tudo, transmite uma imagem de desorganização para o exterior que eu acredito que não exista na estrutura.

Quanto mais organizado, com menos incógnitas, com mais tempo de adaptação, com mais explicações das motivações, mais fácil será a aceitação e integração para os que já lá estão.


Posto isto, podem-me dizer que é difícil fazer isto e a solução mais fácil é a FPF tomar decisões e os clubes cumprirem. Eu digo que sim e estou totalmente de acordo, mas se tudo fosse fácil qualquer um o poderia fazer, por isso é que acredito que estão pessoas competentes e com capacidade de trabalho na FPF. Para isto e para muito mais. Mas é preciso esse trabalho para ver as coisas evoluírem…e desde a base.

Mas sim, é este o caminho, tragam equipas grandes para os campeonatos, tragam mais adeptos, caminhem para o semi-profissionalismo e daí para o profissionalismo, tragam atletas estrangeiras para dar mais competitividade, imponham condições mínimas de prática desportiva para os campos, mas por favor, comecem pela base e incentivem a projectos sustentados que levem à formação de novas atletas e à manutenção destes projectos por vários anos.


Serginho

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